19 de março de 2015
Nova publicação do Ipea chegou à Biblioteca Celso Furtado
Foto: Sidney Murrieta / Ipea
Nós conversamos com Marcos Antonio Macedo Cintra, técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas (Dimac) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que é sócio do Centro Celso Furtado e um dos editores da obra Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro, publicada pelo Ipea. Os outros editores são André Bojikian Calixtre e André Martins Biancarelli. Leia a entrevista a seguir:
Que função o senhor considera que essa obra cumpre hoje, cujo título, tão sugestivo, ganha ainda maior importância diante do atual momento vivido pelo Brasil nos âmbitos social, político e econômico?
O livro – uma coletânea de 16 artigos, elaborados por professores de diferentes universidades e pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – representa uma modesta contribuição ao debate sobre as múltiplas dimensões do desenvolvimento brasileiro. Procura explicitar os avanços ocorridos no modelo de desenvolvimento inclusivo, mas também apresentar os limites da estrutura produtiva em possibilitar a continuidade das transformações no processo de geração de renda e emprego de qualidade. Com isso aclararam-se os desafios persistentes para a construção de uma trajetória de desenvolvimento entendida como um processo contínuo de mudança estrutural promovida pela interconexão entre acumulação de capital, introdução do progresso técnico e evolução institucional.
Os limites se tornam evidentes com a desvalorização das cotações das commodities – agrícolas, minerais e energéticas – produzidas e exportadas pelo país, o esgotamento da capacidade de endividamento das famílias, o enrijecimento do gasto público, a taxa de inflação rondando o limite superior da meta, as taxas de juros em alta, a elevada volatilidade da taxa de câmbio. Eles se corporificam como crise econômica (baixo dinamismo da atividade produtiva, pequena propensão ao investimento em novas unidades e em infraestrutura) e social (aumento do desemprego).
Esse esgotamento do modelo de desenvolvimento se agrava com a erupção da crise política – relações conflituosas entre o Executivo e o Legislativo, relações promíscuas entre a Petrobras, as empreiteiras e os partidos políticos, tensões no âmbito do Judiciário. O acirramento da crise parece sinalizar para o esgotamento do modus operandi das instituições políticas. O que coloca a necessidade de uma reconstrução da “ordem democrática”, vale dizer, novas regras para o funcionamento dos partidos políticos, de distribuição da representação pelos estados da federação, financiamento das campanhas eleitorais, clausula de barreira, presidencialismo de coalizão etc.
A crise econômica, por sua vez, parece exigir o enfrentamento da perda de densidade da estrutura industrial e de seu atraso tecnológico. Trata-se de reconstruir o sistema industrial brasileiro – entendido como um sistema interdependente de indústrias profundamente interconectadas –, em um contexto internacional muito mais hostil. Nas palavras da revista The Economist (14/03/15, tradução livre, grifo nosso): “Por elaborar os produtos e vendê-los aos estrangeiros, a China transformou-se – e a economia mundial com ela. Em 1990, o país produzia menos de 3% do valor adicionado da manufatura global; sua participação agora alcança cerca de 25%. Ela produz cerca de 80% dos aparelhos de ar condicionado do mundo, 70% dos telefones móveis e 60% dos sapatos. Essa ascensão chinesa forjou cadeias de suprimentos de componentes, máquinas e equipamentos que atingiram profundamente o Sudeste asiático. Esta ‘fábrica da Ásia’ agora faz quase metade dos bens mundiais. (...) Isso levanta questões para os mercados emergentes fora da órbita da China. Para a Índia, África e América do Sul, a dura tarefa de enriquecer tornou-se mais difícil”.
A complexidade do momento histórico, seja interno, seja externo, consolidando um dos mais graves já enfrentados pelo país – não parece apontar para soluções fáceis e rápidas, muito menos provenientes do “pensamento mágico”. O debate amplo por diversos atores da sociedade brasileira sobre o passado e sobre o presente pode ser um meio para auxiliar na construção do futuro. A nação brasileira que valoriza a todos, pobres e ricos, pretos e brancos, mulheres e homens.
Qual a relação e intercessão do presente e futuro do desenvolvimento brasileiro no plano internacional?
No plano geopolítico internacional, as mudanças também são de grande magnitude. Os Estados Unidos procuram se reposicionar em suas alianças no Atlântico, no Oriente Médio e no Pacífico. A China desencadeia um grande projeto de reconstrução da Rota da Seda, que poderá ligar Pequim à Amsterdam, por linhas férreas de alta velocidade e por fibras ópticas. Ao mesmo tempo, o país almeja forjar uma nova rodada da globalização em que suas empresas tornam-se capazes de definir os padrões e as marcas internacionais (não apenas Made in China, mas também Owned by China) – e, assim, condicionar a dinâmica da economia mundial.
O acirramento competitivo ocorre ainda no plano tecnológico, incluindo o militar, há uma feroz concorrência pelo desenvolvimento de novos materiais, novas formas de energias, novos usos para a robótica, a neurociência, a biomedicina, a inteligência artificial, a tecnologia de informação, a telefonia móvel, os diversos circuitos integrados etc. In the beginning was Apple [No princípio era a Aplle]. As companhias, as universidades e as instituições de pesquisa dos Estados Unidos, articuladas por sua política industrial, desempenham papel crucial nessa corrida tecnológica.
O aprofundamento e a extensão no tempo da situação de crise doméstica – econômica, social e política – atrasa a inserção do país – ou o coloca de forma apenas marginal – diante destes grandes movimentos de transformação das estruturas produtivas e de organização das sociedades. Dessa forma, os argumentos apresentados no livro buscam ajudar no debate interno entre distintos atores da sociedade brasileira – empresários, trabalhadores, burocracias estatais nas suas três esferas, formadores de opinião, partidos políticos etc. – a fim de consolidar um consenso – forjado democraticamente – que possibilite recolocar o país diante de uma alternativa de desenvolvimento, um projeto de futuro.
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